Um ponto de partida para a actividade civil que envolva armas. Aqui se pretende ter disponível a legislação imediatamente aplicável. E um espaço aberto à discordância e à abertura a outras soluções/melhorias.

quinta-feira, agosto 31, 2006

Lei n.º 5/2006

EXPOSIÇÂO DE MOTIVOS

1. Através da presente proposta de lei visa o Governo dar finalmente concretização à reforma da legislação que define o regime jurídico das armas e suas munições.
Discutida ao longo de vários anos, a reforma em causa é indispensável. Esse entendimento generalizado permitiu a aprovação parlamentar, por alargado consenso, da autorização legislativa pedida através da proposta de lei n.º 121/IX/2, apresentada em 29 de Março de 2004 pelo XV Governo (DAR II série A n.º 50/IX/2, de 3 de Abril de 2004, pág. 2227-2266). A autorização, que veio a ser conferida pela Lei n.º 24/2004, de 25 de Junho, caducou por força da cessação de funções do Executivo.
Em 17 de Novembro do mesmo ano, através da Proposta de Lei n.º 152/IX/3 (DAR II série A, n.º 17/IX/3, de 20 de Novembro de 2004, pág. 44-105), o XVI Governo reencetou o processo legislativo sobre o regime das armas e munições. A proposta não chegou a ser apreciada e, com a dissolução da Assembleia da República, caducou.
Após a formação do XVII Governo Constitucional, o Ministro de Estado e da Administração Interna, determinou que com vista à reabertura do processo legislativo, fossem feitas diligências junto da Procuradoria-Geral da República, Polícia Judiciária, Guarda Nacional Republicana, Polícia de Segurança Pública e outras entidades relevantes sobre as opções contidas no articulado anteriormente preparado.
As informações preliminares obtidas convergiram quanto à necessidade de introduzir fortes limitações à possibilidade de autorização legal de armas de calibre elevado. Foi também recomendado um drástico reforço dos mecanismos de controlo das múltiplas formas de detenção de armas autorizadas por sucessivos diplomas, sem adequada articulação e fiscalização.
Na sua reunião de 11 de Abril de 2005, o Conselho Superior de Segurança Interna, apreciou medidas a tomar para combater a proliferação de armas ilegais e reformular o quadro jurídico aplicável, considerando urgente a definição de um novo tipo de operações especiais de prevenção criminal em áreas geográficas delimitadas tendo em vista reduzir o risco de prática de infracções associadas ao uso de armas, bem como de outros crimes ou infracções que a estas se encontram habitualmente associados.
Tratando-se de uma medida nunca considerada nos trabalhos preparatórios anteriormente desenvolvidos, foi desencadeada a redacção das normas necessárias, procedendo-se à audição das entidades cuja intervenção se encontra legalmente prevista.
É o resultado desse trabalho que ora se apresenta, sob forma de proposta de lei material, por forma a assegurar um processo legislativo mais célere e a capacidade plena de intervenção parlamentar na modelação de soluções.
2. O regime relativo ao uso e porte de arma por parte dos cidadãos, sempre constituiu matéria particularmente delicada, em que as opções dos diversos Estados reflectiram sempre um especial cuidado de harmonia e rigor na conciliação entre a permissão para a detenção de uma arma e os perigos que o exercício desse direito acarreta para a organização social e para a segurança do próprio Estado.
Ainda estava longe a invenção da arma de fogo e já na antiga Grécia e em Roma se cuidava da segurança do Estado face ao perigo da posse indiscriminada de armas pelos seus cidadãos e estrangeiros residentes, corrente jurídica que se volta a encontrar ao longo de toda a idade média, na dispersa ordenação dos reinos europeus.
A partir do século XVIII, com a difusão e generalização do uso da arma de fogo, e particularmente após a primeira guerra mundial, assistiu-se por toda a Europa a uma produção legislativa relativa ao uso e porte de arma, mais rigorosa e cuidada, reflectindo sempre os interesses sociais e políticos dominantes em cada momento histórico no equilíbrio entre direitos e segurança dos cidadãos e do Estado.
Surge pela primeira vez, em muitos Códigos Penais de países europeus, a tipificação do crime do uso e porte de arma não autorizada pelo Estado.
Em Portugal, o Código Penal de 1852 passou a punir o tiro com arma de fogo dirigido contra pessoa, independentemente de causar qualquer ferimento e posteriormente o Código Penal de 1886 criminalizou o fabrico, importação, venda ou subministração de quaisquer armas brancas ou de fogo sem autorização da autoridade administrativa, bem como o seu uso sem licença ou sem autorização legal.
No essencial, os modernos regimes jurídicos europeus relativos ao uso e porte de arma, surgiram no início do século passado. Aprovaram-se leis exaustivas e de profundo cariz técnico que vieram a determinar desde então os diversos ordenamentos, como a lei italiana de 1920, a lei alemã de 1928, a lei espanhola de 1929, a lei belga de 1933, o Firearms Act inglês de 1937 e a lei francesa de 1939.
Portugal acompanhou e de alguma forma ajudou a essa tendência, publicando o Decreto n.º 13 740, de 21 de Maio de 1927, que regulava especificamente a importação, o comércio, o uso e o porte de arma, tendo sido desde então publicados diversos diplomas, procurando cada um deles aperfeiçoar e esclarecer o regime anterior, entre os quais se salientam o Decreto-Lei n.º 18 574, de 1930 e o Decreto-Lei n.º 35 015, de 1945, todos eles necessitando de inúmeras iniciativas legislativas interpretativas e de integração de omissões.
Em 21 de Fevereiro de 1949 é publicado o Decreto-Lei n.º 37 313, de 21 de Fevereiro de 1949, que aprova o regulamento de uso e porte de arma. Este diploma, aproveitando o regime jurídico anterior, introduziu uma maior clareza na interpretação das suas normas e conferiu ao intérprete e ao aplicador da lei uma segurança jurídica insistentemente reclamada.
Desde 1974 e depois das profundas transformações políticas que Portugal conheceu, iniciou-se um vasto processo legislativo relativo à matéria do uso e porte de arma, que, partindo do Decreto-Lei n.º 37 313, de 21 de Fevereiro de 1949, procurou actualizá-lo e adaptá-lo à nova realidade sócio-política. É assim que surgem, entre outros, o Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, parcialmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, a Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, que também foi objecto de sucessivas alterações e jamais viu a publicação dos regulamentos que seriam necessários para a sua integral aplicação e, por último, a Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, que veio dispor sobre a matéria, advindo desta complexa teia legislativa inúmeras dificuldades na interpretação e aplicação da lei.
Por outro lado, em 18 de Junho de 1991, o Conselho das Comunidades Europeias aprovou, relativamente ao controlo da aquisição e da detenção de armas, a Directiva n.º 91/477/CEE, pretendendo harmonizar as legislações dos Estados-Membros na matéria.
Esta directiva foi transposta para o ordenamento interno português, através do Decreto-Lei n.º 399/93, de 3 de Dezembro, que apenas contemplou as matérias relativas à transferência de armas entre os Estados-Membros e à criação do cartão europeu de arma de fogo, regime que ficou muito aquém da Directiva comunitária, nomeadamente no que se refere à classificação das armas, às regras próprias aplicáveis ao exercício do comércio de armas e à criação de normas específicas de circulação para os caçadores e atiradores desportivos.
De acordo com a Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias ao Parlamento e ao Conselho Europeu, de 15 de Dezembro de 2000, o presente diploma estabelece regras que regulamentam também aquelas matérias, adaptando-as à especificidade do país.
3. O regime que agora se propõe visa modernizar e actualizar o regime jurídico relativo ao comércio e ao uso e porte de arma. Sendo um regime substancialmente diferente do que regulava a matéria até ao momento, mantém, no entanto, alguns dos princípios basilares desse mesmo regime, aceitando-se o que demonstrou estar ajustado à realidade nacional e ao funcionamento do mercado do comércio de armas para os cidadãos.
A solução adoptada procura ajustar o regime legal aos conhecimentos tecnológicos e aos estudos de balística mais recentes, criando, com base em critérios científicos, uma rigorosa fixação dos calibres permitidos.
Inova-se no cenário legislativo europeu, através da fixação de regras específicas de segurança na detenção, guarda, uso e porte de arma, estabelecendo-se a obrigatoriedade de frequência de um curso prévio de formação técnica e cívica para o requerente de uma licença de portador de arma de fogo, bem como a exigência de celebração de um seguro de responsabilidade civil.
Humaniza-se o regime legal do uso e porte de arma, afastando-se o diploma de um mero e extenso conjunto normativo técnico-administrativo, mediante a inserção de regras claras de comportamento para todos os detentores de armas, legislando-se desde a formação inicial do candidato para a detenção de uma arma, passando pela autorização de compra dessa mesma arma, a sua guarda no domicílio e fora dele e, finalmente, até ao uso em concreto que é possível dar-lhe.
Entende-se que o requerimento tendente à autorização da posse de uma arma terá de ser sempre devidamente justificada pelo interessado, cabendo ao Estado, através da Polícia de Segurança Pública, entidade que legalmente detém o controlo e fiscalização das armas, decidir, mediante a apreciação de requisitos objectivos, se o cidadão é suficientemente idóneo para ser merecedor de confiança para o efeito.
A concessão de uma licença de detenção ou uso e porte de arma cria, para além do momento inicial, o estabelecimento de uma relação permanente de confiança entre o cidadão e o Estado, sendo aquele sancionado, nomeadamente com a cassação da sua licença e apreensão da arma, sempre que quebrar a sua idoneidade social ou prevaricar no seu comportamento.
O Estado, sempre que houver justificação para o pedido formulado pelos cidadãos e se mostrarem reunidos todos os restantes requisitos, permitir-lhes-á o acesso à arma, responsabilizando-os e exigindo-lhes um especial comportamento social enquanto cidadãos detentores de uma arma.
4. O presente diploma estabelece o regime jurídico relativo ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência, armazenamento, circulação, comércio, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de arma e suas munições, afastando do seu regime todas as actividades referidas quando o forem da iniciativa e para o uso das Forças Armadas, bem como das Forças e Serviços de Segurança ou de outros serviços públicos cuja lei o venha expressamente a afastar.
Em conformidade com a orientação da Directiva n.º 91/477/CEE, de 18 de Junho de 1991, excluem-se do âmbito de aplicação da presente lei os coleccionadores de armas cuja data de fabrico seja anterior a 31 de Dezembro de 1890 e remete-se para legislação própria a definição do respectivo regime. A mesma opção foi tomada quanto ao regime das armas para efeitos desportivos, dadas as suas especificidades, seguindo-se quanto a este ponto orientação distinta da anteriormente submetida ao Parlamento.
Por outro lado, definem-se e uniformizam-se conceitos utilizados na linguagem forense, administrativa e técnico-científica relacionada com as armas, neles se incluindo o do arco e da besta, de molde a reforçar a ideia sobre a sua tipicidade como armas brancas que são. Contudo, atentas as especificidades de uso próprias destas armas, nomeadamente enquanto objectos de prática desportiva e venatória, entendeu-se optar pela sua exclusão deste diploma quer no que se refere à sua integração numa das classes de armas previstas, à autorização para a sua venda e aquisição, à sua detenção, e ao seu uso e porte, deixando-se, tal qual se encontram actualmente, em regime de venda livre. Importa referir que, sem prejuízo de estas armas virem futuramente a conhecer um tratamento jurídico autónomo, fica desde já prevista a punição do seu uso e porte ilícito, por serem inequivocamente ambas armas brancas e como tal agora consideradas, sujeitando-se sempre o seu portador à necessidade de justificação da sua posse.
Tendo em atenção o princípio orientador da referida Directiva, classificam-se as armas por classes, de A a G, em função do seu grau de perigosidade, do fim a que se destinam e do tipo de utilização que lhes é permitido.
Definem-se como armas e outros acessórios da classe A, um elenco de armas, acessórios e munições cuja proibição se mostra generalizada nos países do espaço europeu, aí se integrando ainda armas cuja detenção, face à sua proliferação no tecido social e à frequência da sua utilização ilícita e criminosa, deve ser desmotivada.
Assim, proíbem-se as armas brancas com lâmina cuja actuação depende de mecanismos, as armas de alarme que permitem uma eficaz e rápida transformação em armas de fogo e as armas modificadas ou transformadas.
Ainda em conformidade com a mesma Directiva, criam-se situações de excepção no que se referem a essas armas, sendo a sua aquisição, após um rigoroso e casuístico processo de autorização, permitida para diversos fins, dos quais se destaca a possibilidade de investigação e desenvolvimento desse tipo de armamento por parte da indústria nacional.
Classificam-se as armas de fogo nas classes B e B1, reservando-se as armas da classe B1 como as únicas que podem ser adquiridas pelos cidadãos que justifiquem a sua necessidade face a preocupações de defesa pessoal e da sua propriedade.
Por outro lado, afasta-se definitivamente a tradicional classificação das armas em armas de guerra, de defesa, de caça e de recreio, bem como o critério, hoje reputado de descuidado e pouco rigoroso face ao desenvolvimento tecnológico, com que a legislação ora revogada as agrupava, nomeadamente, e quanto às armas de fogo curtas, em função da fixação de um calibre e de um comprimento do cano máximos.
Mantém-se a limitação legal do tipo e calibre de arma a adquirir, não se tornando tal opção livre.
Optou-se por agrupar nas classes de armas C e D as armas usualmente utilizadas na prática de actos venatórios, e na prática do tiro desportivo mais corrente.
Na classe D classificaram-se as armas de cano de alma lisa, com um cano de comprimento superior a 60 centímetros, cuja aquisição não depende de autorização, ajustando-se, assim, a legislação nacional à Directiva comunitária de 1991.
Cria-se uma nova classe de armas, a classe E, cujas características permitem a sua utilização na defesa de pessoas e bens sem que daí decorra, face a uma utilização normal, qualquer perigo de lesionar permanentemente a vida ou a integridade física do agressor. No que se refere aos aerossóis de defesa define-se com clareza o tipo de princípio activo permitido, sendo a capsaicina a única substância activa, face à oferta do mercado, que oferece maiores garantias de afastar qualquer tipo de lesão irreversível na integridade física do agressor.
O mesmo critério foi seguido para as armas eléctricas, limitando-se a sua capacidade a 200 mil vóltios, apesar de se reconhecer em ambos os casos a existência, em regime de venda livre noutros países da comunidade, de armas com outros princípios activos ou com capacidade até aos 600 mil vóltios.
Possibilitou-se, dentro desta classe, a homologação de outro tipo de armas, concebidas de origem para eliminar qualquer possibilidade de agressão letal, sendo objecto de apreciação casuística as suas características e aptidões para os fins pretendidos, excepção que se abre tendo em atenção a evolução científica e tecnológica dentro desta área.
5. Através da presente lei criam-se diversas licenças, tendo em vista as necessidades do requerente e a utilização pretendida para a arma.
Fixa-se que a concessão de uma licença de uso e porte de arma depende da verificação cumulativa de diversos requisitos, destacando-se para além da aptidão física e psíquica do requerente, atestada por um médico, o facto de não ter sido condenado judicialmente por qualquer um dos crimes previstos no diploma, alargando-se, ainda, o elenco dos tipos criminais que até agora impediam a concessão de uma licença.
Estabelece-se que a concessão de uma licença de uso e porte de armas das classes B1, C e D depende da frequência, com aproveitamento, de um curso de formação, exclusivamente ministrado pela PSP. Estes cursos de formação técnica e cívica devem conferir os ensinamentos necessários para o manuseamento de uma arma de fogo, designadamente, a sua guarda, limpeza, poder de fogo e efeitos do projéctil, bem como ser dotados de uma vertente cívica, conferindo-se ensinamentos gerais por forma a que o requerente e candidato a uma licença de uso e porte de arma de fogo conheça com rigor a legislação a que fica sujeito, as normas de conduta que deve observar, as noções de primeiros socorros e os cuidados básicos para evitar o acidente, especialmente quando no domicílio se encontrarem menores.
Através deste processo selectivo, que inclui a aprovação em exame final da responsabilidade de um júri nomeado pela PSP, reforçam-se os laços de confiança que o Estado necessita depositar no cidadão requerente para lhe conceder uma licença de uso e porte de arma de fogo, garante-se uma diminuição dos riscos de acidente e assegura-se que a renovação da licença depende da frequência regular de uma carreira de tiro onde o requerente efectua, no mínimo, cem disparos por ano, bem como da frequência de um curso de actualização de cinco em cinco anos.
6. Embora tenha sido tido em conta que a segurança e a destreza no uso de uma arma de fogo, para evitar o acidente, advém de um conhecimento profundo do seu manejo por parte do detentor da mesma, não se pretende incentivar a proliferação imoderada de carreiras de tiro e o consumo sem limites de munições, razão pela qual o articulado agora preparado se revela mais restritivo do que o anteriormente submetido à Assembleia da República.
Prevê-se, ainda, que a concessão de uma licença de uso e porte de arma não habilita de imediato à aquisição da mesma, designadamente se for das classes B1 e C, exigindo-se ao requerente um sistema de segurança eficaz no domicílio para a guarda da arma e a celebração de um seguro de responsabilidade civil.
Por outro lado, simplificou-se o processo de obtenção de uma licença E para o uso e porte de arma desta classe, assegurando-se por esta via a possibilidade de conceder aos cidadãos que reúnam os requisitos de idoneidade necessários uma arma de defesa legal, desmotivando-se assim o recurso ao mercado clandestino de armas de fogo.
Como já se assinalou, foi remetida para legislação própria a definição do regime das licenças de coleccionador. O mesmo critério foi seguido quanto ao regime de atirador desportivo, mantendo-se em vigor até revisão os mecanismos legais que enquadram o desenvolvimento de disciplinas de tiro com expressão mundial e os demais aspectos típicos do sector. Nessa sede será regulada a melindrosa questão do regime aplicável a menores.
Consagram-se especiais cuidados na segurança, guarda e transporte das armas, erigindo-se regras claras de comportamento para todos os possuidores de armas, com a consequente previsão de sanções, designadamente, a cassação da licença concedida.
6. A proposta apresentada contém regras em matéria de licenciamento e atribuição de alvarás para o exercício da actividade de armeiro.
Por se entender que os armeiros, com estabelecimento de venda directa ao público, são interlocutores privilegiados entre o Estado e o cidadão e, ao mesmo tempo, elementos importantes no controlo da legalidade, estabelecem-se obrigações próprias para os armeiros e seus trabalhadores.
Permite-se, ainda, a substituição dos tradicionais livros de escrituração dos armeiros, nomeadamente os livros de escrituração diária relativos aos movimentos de compra, venda e existências de armas e munições, por suportes informáticos, ganhando-se em eficácia e estimulando-se a informatização do sector para que, a curto prazo, seja possível a centralização de toda a informação relativa aos movimentos comerciais dos armeiros.
Com a implementação de uma nova filosofia de controlo e rigor na atribuição dos alvarás para o exercício da actividade, com a clarificação das regras do comércio legal das armas e suas munições e o aumento significativo do leque de artigos cuja venda passará a ser permitida e, em muitos casos, até obrigatória, nomeadamente sistemas de segurança para todas as armas vendidas, criam-se condições para o desenvolvimento desta actividade económica.
Por se depositar nos armeiros e nas suas associações representativas uma grande expectativa para o contributo no controlo e fiscalização das armas levado a cabo pelo Estado, estabelece-se a necessidade de um estrito cumprimento de todas as obrigações legais, com a consequente fixação de sanções para a violação das mesmas que podem, em última instância, conduzir à cassação do respectivo alvará e interdição do exercício da actividade.
7. Tendo em atenção a realidade comunitária contempla-se a matéria relativa à importação, exportação e transferência de armas e seu manifesto, acolhendo e regulamentando-se práticas em vigor cuja experiência demonstrou estarem ajustadas às necessidades.
Clarifica-se o regime da autorização prévia de importação de armas, regula-se a guarda das mesmas enquanto depositadas nas instalações aduaneiras e cria-se um regime especial para os agentes industriais que pretendam expor aos retalhistas os seus artigos.
Acolhe-se, ainda, a Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu, de 15 de Dezembro de 2000, através de um regime especial na circulação de armas na posse de caçadores e atiradores desportivos, de modo a facilitar a circulação dos cidadãos comunitários quando e para o exercício daquelas actividades.
Reforça-se a obrigatoriedade do manifesto das armas de fogo, constituindo este o principal instrumento de controlo do Estado relativamente às armas legais detidas pelos cidadãos, na medida em que se assegura a existência de um registo permanente por cada arma onde são, obrigatoriamente, averbados todos os factos relevantes relativos à sua propriedade e características.
8. Foi tomada a opção essencial de reunir num único texto legal a matéria criminal e contra-ordenacional relativa ao uso, porte e detenção de armas através de um regime punitivo coerente e preciso na matéria.
Mantém-se a classificação dos ilícitos criminais tipificados como crimes de perigo comum, e punem-se todas as actividades relativas à importação, transferência, fabrico, guarda, compra, venda, cedência, ou aquisição a qualquer título, distribuição, detenção, transporte e uso e porte de armas, engenhos, instrumentos, mecanismos, substâncias ou munições aí referidos, sendo as penas abstractas cominadas diferenciadas em função da perigosidade do tipo de arma ou outro instrumento, mecanismo ou substância que o agente possua.
Revoga-se o artigo 275.º do Código Penal, disposição que punia as diversas práticas ilícitas respeitantes ao manuseamento de substâncias explosivas ou análogas e armas e tipificam-se como crime de detenção de arma proibida várias condutas ilícitas tendo em atenção as características das armas, clarificando-se ainda o regime relativo às armas sem manifesto, ficando agora evidente que uma arma sujeita a manifesto será sempre uma arma proibida enquanto aquele não se mostrar efectuado.
Tipifica-se, ainda, o crime de tráfico de armas, matéria que, não obstante ser-lhe feita referência no ordenamento jurídico nacional, nomeadamente no Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, relativo à punição do branqueamento de capitais, jamais foi objecto de consagração legal, dotando-se assim o Estado de um mecanismo de controlo e punição de uma actividade de elevada perigosidade social e geradora de uma preocupante instabilidade no controlo e na repressão do armamento ilegal.
Integra-se na presente lei a punição de detenção de armas, instrumentos, mecanismos, substâncias ou engenhos em determinados locais, revogando-se a Lei n.º 8/97, de 12 de Abril.
Mantém-se a proibição de detenção de armas e outros engenhos, instrumentos, mecanismos ou substâncias e engenhos explosivos ou pirotécnicos em estabelecimento de ensino, ou recinto onde ocorra manifestação cívica, política, religiosa, artística ou cultural, alargando-se essa proibição, designadamente a estabelecimentos de diversão nocturna, zonas de exclusão e feiras ou mercados.
Preocupações de combate à violência no desporto, nomeadamente nos espectáculos desportivos onde o elevado número de assistentes coloca problemas de segurança particularmente delicados, levaram a que fosse autonomizado o crime de detenção de armas em recintos desportivos, bem como em todos os locais directa ou indirectamente relacionados com o evento e que passarão a constituir uma zona de exclusão ao uso e porte de arma.
Pretende-se com a criação da zona de exclusão, a definir casuisticamente pelas autoridades, que a detenção de armas nos dias dos eventos desportivos seja efectivamente controlada em todos os locais em que os assistentes e adeptos se possam concentrar, minimizando-se desta forma a possibilidade de qualquer violência com o recurso a armas.
Na versão agora apresentada, as zonas de exclusão poderão ser, contudo, criadas em função de outros eventos, designadamente no quadro de operações especiais de prevenção criminal.
Foi igualmente tipificado como crime o uso e porte de arma sob efeito de álcool, consagrando-se para o portador de qualquer tipo de arma o regime previsto na Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, que pune o exercício da caça sob a influência de álcool.
As penas abstractas fixadas para os diversos crimes mostram-se integradas dentro do sistema punitivo nacional, sendo ajustadas, atenta a sua amplitude, aos fins da punição e às necessidades de prevenção nesta matéria.
Fixam-se sanções acessórias, cuja implementação poderá desmotivar grandemente a prática criminal, respondendo, assim, a preocupações de prevenção geral que doutro modo dificilmente poderiam ser alcançadas.
Por último, cria-se um regime contra-ordenacional para a punição de comportamentos ilícitos que se entende não merecerem uma reacção criminal, sendo as coimas fixadas de acordo com o tipo de contra-ordenação, a culpa e a qualidade do agente.
Inclui-se ainda neste capítulo, pela sua importância e relevo no controlo da detenção de armas, o regime de cassação das licenças de detenção, uso e porte de arma, ficando claro que ao obter uma licença de detenção ou uso e porte de arma, o cidadão fica obrigado a seguir escrupulosamente determinadas regras de conduta e de comportamento social, sob pena de perder o direito à detenção da arma.
Consagra-se a cassação provisória imediata da licença e a consequente entrega da arma sempre que se revelem fortes suspeitas da prática do crime de maus tratos ao cônjuge ou a quem com ele viva em condições análogas, aos filhos ou a menores ao seu cuidado, salvaguardando-se assim o decurso dos ulteriores termos do processo judicial sem a posse da arma por parte do agente.
9. A proposta apresenta, inovadoramente, um conjunto de normas de enquadramento das operações especiais de prevenção criminal.
Pretende-se a criação de um quadro legal que dinamize, simplifique e assegure eficácia a operações policiais que, mediante concentração de meios numa dada zona de risco, através de actuação preventiva, neutralizem possíveis ameaças, permitindo a aplicação em larga escala de medidas cautelares e de polícia, bem como de outras legalmente previstas, sobretudo no domínio da legislação processual penal.
A definição de um novo quadro respeitante a medidas cautelares e de polícia, sua gestão e coordenação com as magistraturas deverá, em tese, integrar-se ou estar intimamente ligada ao sistema processual penal. A já anunciada revisão deste será, contudo, inevitavelmente mais morosa e envolve ponderação mais profunda.
O Governo considerou que nada impede, antes tudo parece aconselhar, que desde já e atenta a íntima ligação entre a problemática do controle das armas e as acções preventivas policiais, se procure aqui burilar, clarificar e mesmo ampliar, ainda que cirurgicamente, a margem de actuação de que devem dispor, dentro dos limites constitucionais, as forças de segurança, com vista a um significativo reforço da eficácia no combate ao crime.
O regime proposto incorpora múltiplos aperfeiçoamentos decorrentes do profícuo processo de discussão e articulação e institucional que foi oportunamente desencadeado.
No decurso desse processo a Procuradoria-Geral da República ajudou a clarificar o alcance do quadro legal em vigor, assinalando em parecer remetido ao Governo:
«Enquanto que a função de prevenção do perigo está, geralmente, regulada na legislação policial propriamente dita, a função de repressão, por exigir, pelo menos, suspeita ou indícios da prática de crime, encontra-se regulada no Código de Processo Penal.
Apenas no exercício da sua função repressiva, ou de perseguição criminal, que é tarefa cometida à Justiça, a polícia está sujeita, quer às ordens e instruções do Ministério Público, ou do Juiz de Instrução, bem como à validação dos actos que, cautelarmente, pratica.
Decorrente da dupla função exercida pela polícia, a preventiva e a repressiva, é a constatação da existência de medidas de dupla função, ou seja, medidas através das quais a polícia prossegue simultaneamente a função de prevenção do crime e a função de perseguição criminal.
Por último, e de enquadramento ainda controverso, podem referir-se as medidas de combate preventivo à criminalidade que, a doutrina dominante, considera como medidas exclusivamente de prevenção do perigo, não as integrando no conceito de medidas de dupla função.
Enunciadas e delimitadas as medidas que as forças de segurança, no exercício das suas funções, podem realizar, conclui-se que pelo facto de os respectivos regimes jurídicos serem distintos, direito penal e processual penal para as medidas repressivas, e direito administrativo e policial para as medidas preventivas, as medidas de dupla função, por se integrarem simultaneamente nestes dois ramos do direito, colocam problemas de determinação do regime aplicável.
Por outro lado, sabendo-se que entre as medidas típicas de dupla função, se encontram as apreensões, as revistas e as buscas, o legislador do C.P.P. de 1987, teve a especial cautela de instituir um regime que permite que esse tipo de medidas, e a prova que através delas se tenha obtido da prática de um crime, se venha a integrar no processo penal, através da sua validação por despacho da autoridade judiciária competente, quando praticadas pelas polícias, cautelarmente, e ainda antes da determinação da abertura de inquérito pelo Ministério Público».
E acrescenta o Parecer citado:
«Na actividade de prevenção stricto sensu, ou seja, a que é realizada para impedir o aparecimento de condutas delituosas ou a sua continuação, não podem ser utilizados métodos e meios que a lei, e designadamente o C.P.P., apenas prevê para a actividade policial na sua vertente repressiva, a investigação criminal, entendida esta como a actividade destinada a recolher provas conducente ao exercício da acção penal.
Aliás, sobre a distinção entre estas duas actividades já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversos preceitos do Decreto n.º 126/VI da Assembleia da República, «Medidas de combate à corrupção e criminalidade económica ou financeira», onde pode ler-se que "com efeito, a generalidade dos organismos com funções de investigação criminal, entendida esta como a actividade de recolher provas conducente ao exercício da acção penal (...) detêm, igualmente, funções de prevenção quanto às infracções relativas às respectivas áreas de competência, o que, por vezes susceptibiliza dificuldades de diferenciação, tão mais delicadas quanto é certo que as regras a observar consoante se actua no domínio da prevenção ou no da investigação não são – ou não podem ser – as mesmas”".
De acordo com esta distinção pode, ainda, ler-se no mesmo Acórdão que as medidas cautelares e de polícia expressamente previstas no Código de Processo Penal são " desencadeadas na sequência da noticia de um crime e da necessidade de acautelar meios de prova”».
Desenvolvendo este entendimento, o Parecer sublinha três aspectos relevantes:
a) «Actualmente, como já supra referido, se no decurso de uma operação de prevenção criminal, a polícia for surpreendida com acontecimentos susceptíveis de constituírem a prática de ilícito penal, independentemente do dever de comunicação ao Ministério Público, deve praticar todos os actos necessários à preservação da prova.
Designadamente, sem prévia autorização da autoridade judiciária, a polícia pode efectuar revistas e buscas, incluindo as domiciliárias, bem como apreensões, dentro dos condicionalismos legais (n.º 4 do artigo 174.º, n.º 2 do artigo 177. °, n.º 4 do artigo 178. ° e n.º 1 do artigo 251.º, do C.P.P.).
De realçar que, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 7/87, teve oportunidade de se pronunciar sobre estes preceitos e decidiu que os n.ºs 3 e 4 do artigo 174.º, o n.º 2 do artigo 177.º, com referência as alíneas a) e b) do artigo. 174.° e ao n.º 1 do artigo. 251.º todos do C. P. P., não eram inconstitucionais.
Assim, desde a entrada em vigor do C.P.P. até hoje, as polícias têm vindo a praticar estes actos que, depois de validação pelas autoridades judiciárias competentes são integrados no processo criminal e se assumem como actos de investigação, sem que quanto a eles se tenham vindo a levantar problemas, designadamente de constitucionalidade.»
b) “Não é idêntica a actividade exercida pelas polícias e pelos magistrados, mesmo quando é idêntica a finalidade prosseguida por ambos. Assim, embora partindo do mesmo pressuposto, a ocorrência de facto susceptível de, nos seus elementos objectivos, constituir um crime, será muito diferente o formalismo a que obedecerão os actos, consoante for a qualidade da autoridade que os ordena, policial ou judiciária. (…)
Consequência imediata e necessária desta distinção é a constatação de que os actos cautelares praticados pela polícia podem ser e, na generalidade, são determinados através de ordens verbais, enquanto que os actos praticados pelas autoridades judiciárias terão de assumir, necessariamente, a forma escrita.
Na verdade, uma vez que os actos praticados pelas autoridades judiciárias não revestem a apontada natureza cautelar, não requerendo posterior validação para serem integrados no processo, são ab initio actos processuais. Nessa medida, tomam necessariamente a forma de despacho e, mais importante, por serem actos decisórios, necessitam de ser fundamentados de facto e de direito [alínea a) do n.º 1, n.ºs 2 e 4 do artigo 97.º do C.P.P.].
Aliás, tratando-se de revistas e buscas exige-se, ainda, a entrega ao visado de cópia do despacho que as ordenou, exigência legal que só não é imposta quando a revista, ou busca é cautelarmente realizada pela polícia, sem prévia ordem de autoridade judiciária (n.º 1 do artigo 175.° e n.º 1 do artigo 176.º do C.P.P.)”.
c) “Não se afigura que a imperatividade (…) de que os aludidos actos sejam praticados pelo Ministério Público e/ou Juiz de Instrução, seja a solução preferível para intervenções policiais de prevenção em zonas de risco da prática de crimes relacionados com a detenção ilegal de armas de fogo, susceptível de vir a envolver situações de perigo para a integridade física e/ou a vida não só dos intervenientes, como de qualquer transeunte acidental, atento o formalismo legal subjacente às suas decisões”.
O articulado que ora se apresenta foi formulado por forma a ter em conta a hermenêutica transcrita.
Ao desenhar uma solução de mera comunicação prévia das operações e eventual acompanhamento (vg. através de presença numa das modernas “salas de situação” hoje tecnicamente disponíveis), separa-se o que não deve ser susceptível de confusão, sem deixar de propiciar a desejável articulação entre magistraturas e forças de segurança.
10. Através da presente proposta o Governo submete ao Parlamento um quadro jurídico adequado para o reforço do combate ao tráfico e comércio ilegal de armas e para um controlo efectivo do uso e porte de armas por parte dos cidadãos, com o objectivo de salvaguardar a ordem, segurança e tranquilidade públicas.Foram ouvidas as associações representativas do sector e outras entidades cujo parecer é relevante.

http://dre.pt/pdf1sdip/2006/02/039A00/14621489.PDF

Presidente da Assembleia da República

DISCORDÂNCIA

Declaração de voto entregue à Mesa, para publicação, relativa à votação final global do texto final, apresen-tado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, referente à proposta de lei n.º 28/XApesar de ter votado favoravelmente, em sede de votação global final, a proposta de lei n.º 28/X — Aprova o novo regime para armas e suas munições, dado entender ser necessário existir no ordenamen-to jurídico português um diploma actualizado relativamente a esta temática, considero, todavia, que a referida proposta enferma de alguns erros graves em importantes matérias técnicas, mas de necessária (boa) decisão política, nomeadamente no que diz respeito aos calibres de armas (artigo 3.º, n.º 4, da proposta de lei), articulado este que prevê um tipo de armas, para a classe B1, totalmente desajustado relativamente àquilo que deveria ser permitido em Portugal.Efectivamente, e diferentemente do proposto pelo Governo, a proposta de substituição por nós elabo-rada, e que veio a ser subscrita pelo PSD na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberda-des e Garantias, previa o licenciamento das pistolas semiautomáticas com os calibres denominados: 6,35 milímetros Browning (.25 ACP ou .25 Auto), 7,65 milímetros Browning (.32 ACP ou .32 Auto) e .380 ACP (.380 Auto), bem como dos revólveres com os calibres denominados: .32 Smith & Wesson Long, .32 Harrington & Richardson Magnum e .38 Special., estes, sim, devidamente adequados à realidade nacio-nal e aos objectivos que se deveriam pretender alcançar, ou seja, a existência de tipos de calibres e munições adequados à finalidade de defesa.Nestes termos, deveriam ter sido tidos em conta pelo Governo (e não o foram) os seguintes critérios:1 — o binómio poder perfurante – poder derrubante;2 — o calibre e tipo de projéctil;3 — o tipo de arma necessária ao seu uso.E isto de forma a permitir que, no confronto armado, o objectivo que se alcançasse fosse o efeito knock-out, ou seja, incapacitar o agressor com o menor número de disparos possível, no qual o binómio poder perfurante – poder derrubante assume especial importância (o recurso a arma de fogo como meio último de defesa pressupõe que o objectivo é fazer cessar a ameaça e nunca provocar ferimentos mor-tais ao seu agente).À luz dos actuais conhecimentos balísticos, é inequívoco que este efeito se consegue apenas com poder derrubante e nunca com poder perfurante.Sabendo também que este tipo de confronto tende a desenvolver-se em zonas de considerável den-sidade populacional, é necessário ter uma especial preocupação, não só com o agente da ameaça, mas, principalmente, com os cidadãos que possam ver-se envolvidos no meio do confronto pelo facto de ali se encontrarem. Também aqui a escolha de calibres e munições adequadas tem de ser objecto de cuidada análise, podendo contribuir em muito para a minoração do perigo para inocentes. As características balísticas das munições de alta velocidade levam a que a possibilidade de ricochetes seja superior, com o perigo e os efeitos negativos que daí podem advir.Não produzindo o efeito de incapacitar o agressor no primeiro disparo, a utilização deste tipo de cali-bres pode mesmo levar à tentação de efectuar mais disparos para levar ao efeito pretendido, o que é de todo indesejável — quanto menos disparos forem efectuados para a resolução de um confronto armado, menos riscos incorrem os intervenientes e terceiros.Por outro lado, também os ferimentos provocados por este tipo de munição tendem a ser mais peri-gosos, já que o projéctil tende a divergir da área corporal visada após o impacto, potenciando o perigo de atingir outras zonas anatómicas e provocar hemorragias internas extensas.Resumindo, interessaria utilizar munições de baixos poderes perfurantes e grandes poderes derru-bantes para que se pudesse deixar o adversário incapacitado, ainda que minimizando o risco de morte, sem que um mesmo projéctil pudesse, pelas suas características, atingir mais que um alvo. Para conse-guir a condição anterior, é desaconselhada a utilização de projécteis completamente ogivais e encami-sados ou blindados (Full Metal Jacket), mas, sim, com superfícies de impacto perto do plano e até com alguma capacidade expansiva, por forma a diminuir a sua capacidade de perfuração e potenciar a capa-cidade de deformação, aumentando o poder derrubante e minimizando o risco de ricochete.Ora, ao invés do defendido na «Exposição de motivos» («A solução adoptada procura ajustar o regi-me legal aos conhecimentos tecnológicos e aos estudos de balística mais recentes, criando, com base em critérios científicos, uma rigorosa fixação dos calibres permitidos.»), não foi isso o que, manifesta-mente, se verificou na prática na proposta do Governo, tendo o Executivo tido a oportunidade (querendo) de introduzir calibres como o .380 para pistolas e .38 para revólveres, que seriam uma melhor solução para a função a que se destinam e contribuiriam, pelos motivos acima enunciados, para a prossecução de um estado de harmonia e rigor na conciliação entre a permissão para a detenção de uma arma de defesa e os perigos que o exercício desse direito possam eventualmente acarretar para a organização social e para a segurança do próprio Estado.Não foi essa, como se disse, a escolha do Governo, do PS, do PCP e do BE, o que vivamente se lamenta. Todas estas entidades ficarão, com o seu voto, e no futuro, ligadas a quaisquer consequências nefastas que a utilização dos calibres ora aprovados poderão vir a ter na sociedade portuguesa.

Deputado do PSD, Pedro Quartin Graça.


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